sábado, setembro 29, 2012

O Largo da estação

Dizia e escrevia Manuel da Fonseca que antes de ser apenas “um cruzamento de estradas”, o Largo “era o centro do mundo”. Era através do Largo “que o povo comunicava com o mundo". Pois Lisboa também tem há cinco anos o seu Largo da Estação. Fica no Rossio, mesmo ao lado da estação.
Após décadas de imobilismo e pasmaceira, o Largo Duque do Cadaval, na face lateral do edifício da estação do Rossio, para o lado da Calçada do Carmo, foi reabilitado e beneficiado, juntamente com o edifício da própria estação. O Largo da Estação do Rossio nasceu em 2007. E aos cinco é mais um espaço organizado de uma Lisboa que redescobriu o ar livre.
O Largo alberga dois cafés, um snack-bar, uma gelataria, uma cervejaria e uma tabacaria, que funcionam das 10 às 23. Nada de especial, mas enfim. E dispõe de um espaço para espetáculos, onde já se ouviu jazz e, no dia 1 de Outubro, se exibem danças de salão. O espetáculo decorre a cargo da Sociedade Filarmónica Capricho Moitense.
Como outros espaços da cidade - que nos últimos 15 anos recuperou o ar livre para cultura e de lazer - o Largo da Estação tem árvores meramente ornamentais. Sombras e frescura ficam por conta de toldos.

Texto e Fotos Blogue das Barrelas / Direitos reservados.

sexta-feira, setembro 28, 2012

Galeria a céu aberto

 
 
 
 
Os prédios devolutos em Lisboa não são apenas muitos. São quase todos definitivamente devolutos. Não se vê outro destino que não seja a degradação, a ruína, a derrocada, a venda do terreno, a construção, a especulação e assim sucessivamente.
 
Vá lá que pelo menos os lisboetas são poupados, em muitos casos, ao espetáculo da degradação. E não só: a cidade que se vai desertificando disfarça-se com uma imensa galeria de arte urbana, pelo que parece de algum modo crítica do sistema.

Texto de João Francisco. Fotos de Paulo Navarro / Direitos reservados

quinta-feira, setembro 27, 2012

Participativo presente


Vendo bem as coisas, que tal revitalizar as antigas barbearias da cidade?
E criar um passeio chamado Amália na freguesia de Santa Isabel? E campos de basquetebol de rua na frente ribeirinha? Que pensa de um projeto de plantação de flores em toda a cidade? E de um programa Cultural de Acolhimento de Instituições Sociais numa freguesia de Lisboa a definir? Acha bem uma ciclovia na Avenida Almirante Reis? E uma de área de recreio infantil nos Jardins de Campolide? E que pensa da requalificação do eixo Praça do Chile-Alto de S. João?
E de um Jardim e Parque Infantil na antiga Quinta do Coxo?
A questão é esta: Lisboa tem um Orçamento Participativo. Isto é, tem 2,5 milhões de euros e 231 ideias para os aplicar. E quem escolhe os projetos que avançam são os munícipes, participando. Por isso se chama Orçamento Participativo.
Há ideias para todos e para tudo. Que tal regressar aos pregões de Lisboa para reanimar o comércio da Baixa?
Participe aqui. Votação até 31 de Outubro.

Texto de João Francisco. Foto de Francisco João / Direitos reservados.

terça-feira, setembro 25, 2012

O Pátio das comidas

Subindo a Ajuda, a meio da Rua do Guarda-Joias, à direita de quem sobe, depara-se o Pátio Alfacinha.
Quem entra, recua algumas décadas, até aos anos 40 do século passado, ao cenário de um filme português dos velhos tempos das comédias a preto e branco.
A qualquer momento podemos cruzar-nos com o Evaristo, com o Vasquinho da Anatomia, com a Menina da Rádio, com o Leão da Estrela, ou com o Pai Tirano. Também é natural que os olhares passem em revista a clientela das mesas, em busca da Maria Papoila e do Zé do Telhado, de Ribeirinho e da Tatão. Ta…tão. Ta…tão. Ta…tão. Talvez Milu passe por nós a suspirar pela sua Alegre Casinha ou Fernando Curado Ribeiro dirija um olhar de galanteio às senhoras do grupo. Talvez aconteça que Hermínia Silva ou a rapariga das laranjas cantem um fado.
 
Fundado por Vítor Seijo, o Pátio nasceu de um grupo que se reunia nos anos 60 em torno da amizade e da boa mesa. O negócio veio depois, procurando recriar o mais tradicional da velha Lisboa. E aí está: são cinco em um, cinco restaurantes no espaço dos muros, pátios, vielas, escadinhas, recantos do Pátio Alfacinha. Para festas de casamento, almoços e jantares de grupos, em duas palavras, para almoçaradas e jantaradas, não há melhor que o Pátio da Rua do Guarda-Joias. Até tem estacionamento do outro lado da rua.
Sábado passado, ao almoço na Horta, no primeiro dia do Outono, ainda pairava no ar “um vago um suave cheiro a sardinhas”, como canta o Fausto. Éramos nós, “querida Europa”.

Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João / Direitos reservados

 

segunda-feira, setembro 24, 2012

Onde? Na Feira Popular. Quando? Desde 2003. Como? Assim


As imagens retratam com efeito as ruínas da antiga Feira Popular de Lisboa, em Entrecampos, encerrada em 2003, e do Teatro Vasco Santana.





 



Em Portugal, e em Lisboa, desgraçadamente, muito antes de se encerrarem escolas e hospitais, já se fechavam e demoliam teatros. O Vasco Santana, em circunstâncias que constituem uma embrulhada, junta-se a um rol imenso de teatros que fecharam - Teatro dos Condes, Apolo, Ginásio, Teatro das Laranjeiras, Avenida, Palmira Bastos, Éden, Salitre, Monumental, Laura Alves, Europa, Variedades, ABC, etc., etc. - e que não foram substituídos por outros.

Quanto à Feira Popular é um baldio sem préstimo no eixo de Lisboa.

Da Feira restou um Castelo Fantasma.

Fotos do blogue Beco das Barrelas / Direitos reservados

Onde? Quando? Como?


As imagens que vemos retratam:
 
 
 
 






- Beirute em 1982 / 84 ?
- Sarajevo em 1997 ?
- Haiti em 2010 ?
- Outro local? Qual ?
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sábado, setembro 22, 2012

O "entardecer da terra"

As árvores são os derradeiros resistentes do Jardim do Campo Grande. Tudo o mais - pavimentos, equipamentos, instalações - sucumbiu numa espiral de destruição e abandono. Mas agora que a parte Norte do Jardim está finalmente entaipado para recuperação, aqui se presta homenagem às árvores do Campo Grande.
 
As nossas amigas árvores cumprem agora mais uma etapa dos respetivos ciclos de vida, com a chegada do Outono, o “entardecer da terra”, como lhe chamou Fernando Pessoa, às 15 horas e 49 minutos no hemisfério Norte. As folhas vão ficando douradas, emprestando ao Jardim a beleza rara das cores outonais, e vão cair para que despontem mais tarde rejuvenescidas. “No entardecer da terra // o sopro do longo Outono // amareleceu o chão”, escreveu Pessoa.
O Outono chega, as estações do ano mudam - “No ciclo eterno das mudáveis coisas // Novo inverno após novo outono volve”, acrescenta Ricardo Reis, outro poeta em Pessoa - e chegará um dia a recuperação do belo e grande Jardim. Que seja uma autêntica Primavera. As árvores do Campo Grande dão sombra, frescura e oxigénio a Lisboa e aos lisboetas desde o reinado de Dona Maria I. 

O Outono levou a rigor a entrada no calendário,
com ventos fortes, trovoadas e chuvadas durante a madrugada. Em Lisboa, as chuvadas causaram dezenas de inundações. Segundo os jornais, os Sapadores Bombeiros receberam mais de 60 pedidos de socorro devido a inundações.
Falaremos disso a seu tempo. Lisboa está impermeabilizada e a água da chuva não tem por onde escoar.

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sexta-feira, setembro 21, 2012

Burras assadas é no Beco dos Surradores

Nova imagem, agora com reclamo à porta
Almocei no Zé dos Cornos e as burras estavam macias como uma almofada - ou como "a bochecha de um gatinho", como diria Ernest Hemingway - mas consistentes como qualquer carne que se preza. As mesas são corridas e a meu lado duas turistas chinesas pediram os meus bons ofícios para encomendar um prato de peixe e outro de carne. Aproveitei a primeira oportunidade para lhes perguntar como é que se chega de Xangai ao nº 5 do Beco dos Surradores, no Poço do Borratém, a uma casa de comidas sem nome na fachada, e elas responderam exibindo um guia turístico chinês onde o Zé dos Cornos vem recomendado. Portanto, a fama da tasca do Beco dos Surradores chegou muito além da Taprobana.
As burras são as bochechas do porco e vinham assadas no forno, acompanhadas de batatinhas igualmente assadas e de arroz igualmente do forno. Uma delícia que se desfazia na boca, com um sabor retificado pelos temperos e pela assadura. Naquele dia, poderia ter optado pela dourada grelhada ou pelo polvo à lagareiro, pelos secretos ou, se me sentisse com embocadura para tanto, pela mão de vaca com grão. Mas não me arrependi de ter escolhido as burras.
O Zé dos Cornos, ou Zé Carvoeiro como se lê para lá do balcão, é uma tasca de Lisboa, com tudo o que isso tem de mau - acanhada, barulhenta - e de bom - excelente comida a bom preço e ambiente informal. Está aberta todos os dias, exceto domingos, para almoço e jantar (embora feche cedo). E tem uma mais-valia altamente considerável: os patrões são de Ponte de Lima, referência na arte de bem comer em Portugal. 

Falta referir a origem do nome da tasca: Zé dos Cornos. Quanto José Ferreira tomou a pequena casa do Beco dos Surradores - carvoaria e vinhos - decorou-a simplesmente com a cabeça de um boi. Sem nome próprio, a taberna ficou a ser conhecida nas redondezas por A dos Cornos, enquanto outros lhe chamavam A do Zé. Até que o o dono da casa juntou ambas as designações. Ficou Zé dos Cornos e é assim que é conhecida nas imediações e até na China. 
Recentemente passou a ter reclamo com cornos à porta.
Foto do blogue Beco das Barrelas / Direitos reservados

quinta-feira, setembro 20, 2012

Já não é o que era: Iglantónico!

O Cais de Sodré e o Bairro Alto já não são o que eram. E agora, se cá estivesse ou cá voltasse, como haveria o bom do Dinis Machado de observar e rememorar para escrever as suas histórias?
 
“Chegou uma esquadra, e aqueles a quem chamavam os camones invadiram a cidade tingindo-a com a brancura das suas fardas (…) Os camones pararam junto do Ângelo, que estava sentado no seu banco de madeira a experimentar a harmónica, um deles aproximou-se e disse girls, e fez com o braço o movimento respectivo, we want girls, o Ângelo disse girl é a tua mãezinha, estás a perceber ou precisas de explicador?, sim, a tua mãezinha, o camone riu-se para os outros, um deles avançou e fez uma espécie de passe à Fred Astaire, e de repente o Ângelo já tinha guardado os óculos e a harmónica no bolso, começou a despachar os camones, enfiou um pela loja de móveis do Ventura, outro foi cair numa das cadeiras da Barbearia Hollywood, os camones iam e vinham, o Ângelo tinha-os juntados todos num molhinho, e vai disto, tudo pelo ar, rumo ao Marocas Papa-Milhas, que tinha um motocicleta cheia de cromados e a mania das curvas rápidas, ia a fazer uma bela curva naquele momento, despistou-se, disse foda-se, foda-se, não mexam na mota, subiu o passeio (...), virou de pantanas o mostruário do Raul Pechisbeque, choveram colares de vidros, pulseiras, broches e anéis, o Marocas continuou em prova (...), depois de passar pela banca de peixe do Zeca Trampa, espadanando carapaus e lulas por todos os lados (...), as pessoas assomavam às janelas, as mulheres gritavam, o bebé da Gertrudes, que era o melhor pulmão lá do bairro, berrava como nunca (...), o Zuca diria mais tarde que, tirando algumas partes cómicas que pareciam à Charlot, aquilo tinha sido uma coisa iglantónica…”

E agora? Haverá algo de iglantónico para ver e contar?

Dinis Machado, O que diz Molero
 
Fotos do blogue Beco das Barrelas / Direitos reservados

quarta-feira, setembro 19, 2012

Lisboa grande barca em maré nobre


Que beleza revela Lisboa à primeira vista!
A sua imagem flutuando naquela maré nobre,
Que os poetas pavimentam orgulhosamente com areias de ouro.
Lord George Byron
 
Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata
Lisboa oscilando como uma grande barca
Sophia de Mello Breyner Andresen
 
Foto Beco das Barrelas / Direitos reservados.

terça-feira, setembro 18, 2012

Parque Mayer que já foste

Há três sobreviventes no Parque Mayer: o Teatro Maria Vitória, o restaurante A Gina e o Zé Manuel (na foto, e no cartaz, da esquerda para a direita e de cima para baixo: Francisco Nicholson, Mário Alberto, Gonçalves Preto; Pedro Osório, Braga Santos, Correia Martins; Zé Manel, Rebocho e um Bombeiro). O Maria Vitória mantém em cena a revista "Ora Vira e Troika o Passos", A Gina conserva a mesa posta e o Zé Manuel, ajudante de cenógrafo reformado, passa por lá todos os dias para enterrar saudades nos escombros e para dar de comer aos gatos. Diz ele - e com razão - que com a diminuição drástica da restauração os gatos ficaram à míngua e se os gatos se vão embora… os ratos tomam conta do Parque.
Poucos lisboetas saberão o que vai ser o futuro renascido dos escombros do Parque Mayer e do atual parque caótico de estacionamento. O que muitos sabem é o que já foi, mesmo nos tempos de decadência, mas em que o Parque Mayer mantinha pessoas felizes e risonhas. Ali foi o Teatro Variedades, além foi o Dominó e as barracas dos bouquinistas, ao fundo, depois do Maria Vitória era o Teatro ABC, a seguir era o restaurante Manuel, nas traseiras havia mais restaurantes, na ruela ao lado do Capitólio era a casa-estúdio do Mário Alberto, único habitante do Parque, cenógrafo e pintor de génio, passando entre o Capitólio e o Variedades, para a esquerda havia o guarda-roupa Anahory, depois o restaurante Mimi (foto pequena), das três irmãs- Amadora na cozinha, Vitória ao balcão, Mimi às mesas.
Agora há uma boa notícia: o Capitólio está a ser reconstruído, em novos moldes e novos apetrechamentos, e vai chamar-se Teatro Raul Solnado. De resto, o que se sabe é o que se vê: ruinas de um Parque de diversões que já foi e que já leva décadas sem se saber o que será.

Fotos Blogue das Barrelas / direitos reservados

segunda-feira, setembro 17, 2012

Da Mensagem ao miniprato

Perguntei ao empregado de mesa do Martinho da Arcada: “Fernando Pessoa tem passado por cá?”. Respondeu-me. “Uma vez por outra”. As novidades, no mais pessoano café-restaurante de Lisboa, é que o Martinho tem concorrência nas Arcadas e, juntando-se a concorrência com a crise, até já propõe uma lista de minipratos.
Localizado ao fundo da arcada Nordeste da Praça do Comércio / Terreiro do Paço, o estabelecimento foi fundado em 1778, como casa de bebidas e gelo, assumindo-se como café em 1782. O Martinho da Arcada será assim o mais antigo café de Lisboa. Bocage, Cesário Verde, Amadeo de Sousa Cardoso, Mário de Sá Carneiro, Almada Negreiros, Fernando Pessoa, passaram pelas suas mesas e balcões. "É como se esperasse eternamente // A tua vinda certa e combinada // Aí em baixo no Café Arcada", escreveu Fernando Pessoa para Mário de Sá Carneiro. À mesa do Martinho, Pessoa escreveu parte da Mensagem: E “O rosto que fita é Portugal”.
Referência de Lisboa, muito procurado por altos magistrados e funcionários dos Ministérios, o Martinho manteve, a preços para desencorajar intrusos, uma ementa de exigência: entradas de ameijoas, mariscos e espargos, com exigentes molhos, o peixe era a garoupa e o cherne, a carne era do lombo e da vazia. Mas o Terreiro tem agora mais sete restaurantes nas Arcadas, a clientela democratizou-se, os turistas chegam de calções e chinelos. E o Martinho da Arcada, a par da lista e da tabela de preços de sempre, propõe aos seus clientes minipratos, constituídos por salgadinhos, servidos com saladas, modestas doses de peixes e carnes mais plebeus, tudo pelo preço de 5 euros e 50 cêntimos. A propósito de democracia, o Martinho da Arcada também promove tertúlias e debates.
E para que não restem dúvidas que os tempos mudaram e que está aí a crise, na esplanada do Marinho da Arcada - Monumento Nacional desde 1910 - uma empregada de mesa exibe a ementa aos passantes, convidando-os a entrar ou a sentar-se às mesas da esplanada.
Quanto ao serviço, é o de sempre: profissional, discreto e atencioso.

Texto João Francisco. Fotos Francisco João / direitos reservados

domingo, setembro 16, 2012

Esta é Lisboa prezada...

 


"Não deixavam os da cidade, por serem assim cercados, de fazer da barbacã de arredor do muro da parte do Arraial, desde a porta de Santa Catarina até à torre de Álvaro Pais, que ainda não era feita (...) E as moças sem medo nenhum, apanhando pedra pelas herdades, cantavam altas vozes dizendo:


 
"Esta é Lisboa prezada, // mirá-la e deixá-la. //
"Se quiserdes carneiro // qual deram ao Andeiro; //
"se quiserdes cabrito, // qual deram ao bispo." 
"Oh que formosa cousa era de ver! (...) com tanta multidão de gentes..."
Fernão Lopes, in "Crónica d'El-Rei Dom João da Boa Memória", citado por António Borges Coelho, in Crónicas de Fernão Lopes, com ilustrações de Rogério Ribeiro, Campo das Letras, 2007.
Foto Francisco João / Direitos reservados

sábado, setembro 15, 2012

Acima, acima Gageiro!

Muitos visitantes da exposição Lisboa Amarga e Doce, de Eduardo Gageiro, talvez reconheçam aqueles lugares da cidade, aquelas figuras, aqueles momentos. É a História da cidade de Lisboa, na História de Portugal e do Mundo, que desfila perante o olhar dos visitantes nas paredes da Galeria da CML, e a História é feita pelas pessoas. E fotografar pessoas é chegar-lhes à alma e isso é com Eduardo Gageiro.
Que esperariam da vida os manifestantes do 1º de Maio de 1981 ou do 25 de Abril de 1984? Não esperavam talvez o que está a acontecer-lhes. O próprio Gageiro, em entrevista ao Jornal de Negócios, diz que no dia mais feliz da sua vida pensou: “Agora é que é.” Mas não foi. Mas desse dia ficaram as imagens de um pide em cuecas e de um jovem capitão vitorioso que não quis nada para si dos louros da vitória.
E que esperariam da vida os pais da criança nascida em 1985, na Maternidade Alfredo da Costa, um momento registado magistralmente por Gageiro, ou o avô José Cardoso Pires, babado com a neta ao colo? E de que sorriam Ary e Natália, em poses de 1975? E a história dos namorados do elevador de Santa Justa, em 2010, terá tido um final feliz?
Eduardo Gageiro é o maior fotojornalista português, ponto final. Repórter fotográfico desde 1957, tem mais de 300 prémios ganhos em todo o mundo, 16 álbuns publicados, é mestre fotógrafo honorário da Associação de Fotógrafos Portugueses. E é de Eduardo Gageiro a exposição de fotografias sobre a Lisboa Amarga e Doce, de 1975 a 2010, que está na Galeria de Exposições à direita de quem entra na Câmara Municipal de Lisboa.
Absolutamente imperdível. Até 9 de Outubro.
Fotos do catálogo da exposição.

sexta-feira, setembro 14, 2012

Martim Moniz: Está-se bem!

Martim Moniz, figura lendária da conquista de Lisboa aos mouros (1147), ficou com o nome numa porta do Castelo e, mais tarde, numa Praça aos pés da colina mais alta de Lisboa.
Denominada no calão lisboeta por “O Entalado”, o Martim Moniz foi um simples troço da Rua da Palma, até que se autonomizou como Praça a meio do século passado. A Praça do Martim Moniz foi alvo de diversas malfeitorias que desfeitearam e desclassificaram o local. Mas eis que às portas do século XXI, o Martim Moniz se atravessou nos umbrais da história e disse que também queria participar. E aí está a Praça do Martim Moniz requalificada, balizada pela capelinha da Senhora da Saúde e pelo velho Centro Comercial da Mouraria - a mais intercultural grande superfície de Lisboa - e as novíssimas Residências Martim Moniz, do lado em que se situou o Teatro Adoque e “com vista para o fado”, como dizem os publicitários.
A Praça é um espaço de lazer que descobriu o seu lugar num vasto terreiro que ardia ao Sol. Água a correr e sombras, muita água e muitas sombras, mudaram o ambiente. O projeto, com o traço do arquiteto João Paulo Bessa, não esqueceu a História, simbolizada em torres e elmos dos tempos da conquista, e virou-se para vida. Música de fusão e quiosques de restauração intercultural, como é apanágio da zona, completam o quadro.
Está-se bem no Martim Moniz.

Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João / direitos reservados.

O Festival Todos - música, fotografia, circo, teatro, dança, arte urbana, gastronomia - decorre até 23 de Setembro entre o Intendente / Mouraria / Martim Moniz e São Bento / Poço dos Negros.
Programa aqui. Música aqui.

quinta-feira, setembro 13, 2012

Um leão na Estrela

Vinte anos após a inauguração, em Abril de 1852, o Jardim da Estrela recebeu um leão. A fera foi oferecida à cidade pelo africanista Paiva Raposo, sendo instalada numa jaula sensivelmente no local onde hoje se abre um dos portões do Jardim para a Avenida Pedro Álvares Cabral. O leão chegou a ser popular em vida e mais ainda depois da morte, quando Arthur Duarte resolveu dar o título de Leão da Estrela a uma comédia de 1947 sobre as aventuras de um adepto do Sporting.
O Jardim chamava-se Passeio da Estrela à época da inauguração. Mais tarde foi crismado Jardim Guerra Junqueiro. De resto, o Jardim da Estrela mantém a fisionomia de parque à inglesa. A colina, em caracol, que fazia de miradouro, está interdita por risco de desprendimento de pedras. O parque dos baloiços está igualzinho ao que sempre foi. Agora há dois cafés com esplanadas. E equipamentos desportivos informais. O coreto de ferro já não é usado com tanta frequência para concertos filarmónicos. Mas, nos tempos mortos, há quem use o coreto para um pezinho de dança.









A flora conserva-se exuberante e na fauna os patos e as carpas convivem no lago, onde uma escultura alegórica vai mantendo o nível das águas. As estátuas - de Antero e João de Deus no Jardim Guerra Junqueiro, da guardadora de patos e do cavador - estão nos seus postos.
E no seu conjunto o Jardim ainda vale algumas estrelas.
Fotos Blogue das Barrelas / direitos reservados

quarta-feira, setembro 12, 2012

El Corte Indiano

Há de quase tudo: roupa, lingerie, bifanas, bijutaria, calçado, eletrónica, couratos, louças, equipamentos e produtos de som, panados, quinquilharias, bijuterias, filetes, malas, artigos para o lar, filmes hardcore, carne assada, óculos de sol, equipamentos desportivos, cerveja a copo, cachecóis e emblemas, pataniscas, mochilas, bonés e chapéus, chamuças, o que se quiser. Nos ares domina e ribomba a kizomba mas nas lojas de roupa, a maior parte dos mais de 200 stands de vendas do Mercado da Praça de Espanha, dominam os comerciantes indianos.
Mas o Mercado é de todas as cores, etnias e sotaques. Embora seja conhecido por Mercado Azul, a cor da superestrutura metálica que organiza e cobre a quadrícula dos corredores. Também há quem lhe chame El Corte Indiano. O Inglês, que é espanhol, fica à distância de uma estação de Metro.
Foi há mais de 25 anos que os comerciantes começaram a chegar à Praça de Espanha. Vinham desalojados do Martim Moniz, a eles se juntaram muitos vendedores ambulantes, e adaptaram-se todos à mudança e ao Regulamento Geral Dos Mercados Retalhistas De Lisboa. Mais dificil será adaptarem-se à crise, bem visível nos corredores sombrios e stands desertos. Alguns vendedores admitem já que constituem uma espécie em vias de extinção.
Fotos Blogue das Barrelas / Direitos reservados

(Todos os dias passo pelas Amoreiras)


Há lá renda que se assemelhe
A este tecido de árvores no ar…
(Hei-de pedir à Maria Keil
Para as pintar)
Árvores do Jardim do Aqueduto
Sem flor nem fruto
Sem nada de seu…
Só este azul de pássaros a cantar
Que vai da terra ao céu.
José Gomes Ferreira
Elétrico (1943 - 45)
 
O Jardim das Amoreiras, do Aqueduto ou da Mãe d'Água, hoje formalmente Jardim Marcelino Mesquita, foi inaugurado quatro anos após o Terramoto de 1755 na Praça das Amoreiras: 331 amoreiras alimentavam a Fábrica das Sedas, que ainda hoje é nome de rua no local.
A visitar nas imediações: A Fundação Árpád Szenes - Vieira da Silva e o Museu da Água, durante o dia, e à noite o bar Procópio.
Foto Blogue das Barrelas / Direitos reservados

segunda-feira, setembro 10, 2012

Dança sem barreiras

A música que os jovens dançam no palco do anfiteatro ao ar livre canta o destino traçado pela sociedade para eles próprios e para muitos milhares de outros, que têm por amanhã “um tiro no escuro”. Mas que assumem a consciência de que merecem mais, muito mais. Portanto, “Vive a vida”, “Limpa as lágrimas e luta // Segue o teu caminho e escuta // A voz dentro de ti”. E o que diz a voz? “Tu és, tu és, tu és // Mais forte e no fim vais vencer // Tu és, tu és oh oh oh oh”. A voz, neste caso, é a de Boss AC.
 
Da rua para o palco e do bairro para os jardins da Fundação Gulbenkian, foi assim o trajeto de 48 jovens que se exibiram no anfiteatro ao ar livre da Fundação, ao fim da tarde de 6 de Setembro, num espetáculo de dança coreografado por Marco de Camillis. O coreógrafo italiano - também ele oriundo de um bairro problemático de Roma - percorreu 10 bairros periféricos da Grande Lisboa, chegou a juntar 350 candidatos, até que ficaram 48 selecionados. E ali estiveram, dançando ao som de música portuguesa de alguns dos mais conhecidos compositores e cantores das canções de rua: Boss AC, Buraka Som Sistema, Expensive Soul e muitos mais. A iniciativa foi apoiada pelas Fundações Gulbenkian e EDP e pelo projeto Escolhas.
Foi belo e também comovente. Como é sempre que se vislumbra a queda de uma barreira.
    
   O espetáculo Da rua para o palco, em apresentação anterior à do auditório ao ar livre da Gulbenkian, gravada no Teatro Maria Matos, passou na noite de 12 de Setembro, na RTP 1.

 Texto de João Francisco. Fotos FCG/direitos reservados.   

sexta-feira, setembro 07, 2012

Um elétrico chamado História

Das Portas do Sol à Graça, o percurso do elétrico 28 é labiríntico e tem muitos séculos de história. Já não existe a igreja de São Tomé, mas ainda se passa ao fundo das escadinhas de São Tomé: é ver para crer como o elétrico passa à tangente.
O topónimo Rua das Escolas Gerais faz recuar a história para os tempos em que Dom Henrique doou o edifício dos paços do Infante aos Estudos Gerais, anteriormente criados por Dom Dinis. Quanta história no trajeto bamboleante e rangente do elétrico 28! O carro segue pela apertada calçada de São Vicente, sobe a Voz do Operário e chega à Graça.
Da Graça a Sapadores é um ver se te avias. Depois, o elétrico começa a descer pela rua Angelina Vidal, figura da República, professora, jornalista e defensora dos direitos dos operários e das mulheres. E pelas ruas Maria e Maria Andrade chega aos Anjos e respetiva Igreja, pequeno edifício neoclássico reedificado nos primeiros anos da República, com recheio em talha dourada do século XVII e mármore rosado. O edifício original fora demolido para que se abrisse a avenida Dona Amélia, depois Almirante Reis. E até ao Martim Moniz é um passeio pela avenida, eventualmente com “um pendura que não paga e não quer andar a pé”, como reza a letra do fado de Ary dos Santos para a voz de Carlos do Carmo.
A viagem terminou mas o 28, para provar que aprendeu as lições, faz a volta inversa, para os Prazeres, depois regressa ao Martim Moniz e assim sucessivamente.
Pode seguir.
Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João (direitos reservados)

quinta-feira, setembro 06, 2012

Um elétrico chamado Sobe e Desce

A carreira 28 dos amarelos da Carris desce dos Prazeres ao Poço dos Negros, depois começa a subir para o Chiado. Volta a descer até à baixa. E depois lá vai ele subindo, subindo sempre até à Graça. E então começa a descer até que desliza pela Rua da Palma para o Martim Moniz. Sem sobressaltos, o percurso demora 37 minutos. Mas é difícil que os sobressaltos não surjam num percurso tão acidentado.

Tínhamos iniciado a subida para o Chiado, pela Calçada do Combro até ao Calhariz, e depois desfilado pelo Camões e o Chiado. O percurso segue pelo sopé do Bairro Alto, a colina da movida e do desassossego. No Chiado, Lisboa anima-se à luz do dia pelo turismo e o consumo.
A rua António Maria Cardoso, de sinistra memória, é o derradeiro troço pleno antes da grande descida pelo declive da calçada de S. Francisco até à baixa, que o 28 atravessa pela Rua da Conceição, cruzando as ruas do Ouro, Augusta, da Prata, até à Rua da Madalena.

E então começa a grande subida, que tem a primeira contagem do Prémio da Montanha na Sé de Lisboa. À esquerda o Aljube, outra tristíssima memória deste trajeto, mais à frente o antigo Limoeiro. O poeta sueco Tomas Tranströmer, Nobel da Literatura (em 2011), escreveu em 1966 sobre as duas cadeias, o Limoeiro, dos ladrões, e o Aljube, dos políticos: “Vi a fachada, a fachada, a fachada…”.
Depois é a subida gloriosa, de miradouro em miradouro, de Santa Luzia às Portas do Sol, com o Castelo ao lado, Alfama aos pés e o Tejo ao fundo.

Pode seguir. E segue amanhã…
 
Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João (direitos reservados)

quarta-feira, setembro 05, 2012

Um elétrico chamado 28

O poeta José Gomes Ferreira compunha poemas enquanto viajava de elétrico para Campolide. E ninguém suspeitava que o poeta levava “uma mulher nua nos joelhos”. Hoje, os amarelos da Carris já não chegam a Campolide. Vão da Praça da Figueira a Algés, do Cais de Sodré ao Cemitério da Ajuda, da Rua da Alfândega aos Prazeres, dos Prazeres ao Martim Moniz, com passagem pela Graça. E voltam. O carro tem 20 lugares sentados. Em pé cabe sempre mais um. A tarifa de bordo é de 2 euros e 85 cêntimos. “Cuidado com os carteiristas”, avisa a Carris.

A carreira 28 tem um percurso que atravessa o casco da Lisboa antiga. Parte de Campo de Ourique, junto ao Cemitério dos Prazeres, e desce para o Largo da Estrela, com a Basílica do Coração de Jesus a estibordo e o Jardim Guerra Junqueiro a bombordo. As janelas do carro têm vista panorâmica, exceto no banco dos palermas, que viajam de costas para a paisagem.

O elétrico desce pela Calçada da Estrela, passando o antigo Mosteiro de S. Bento da Saúde, onde 230 deputados representam nos nossos dias todos os cidadãos portugueses. De São Bento, o 28 continua a descer para o Poço dos Negros, antes de iniciar a subida para o Chiado.

Pode seguir… e segue amanhã

Texto de João Francisco. Fotos de Francisco João (direitos reservados)