sexta-feira, novembro 28, 2014

Manhãs de nevoeiro

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
define com perfil e ser
este fulgor baço da terra
que é Portugal a entristecer –
brilho sem luz e sem arder,
como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem...
Nevoeiro, Fernando Pessoa







Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda...

Espero, Sophia de Mello Breyner Andersen

quinta-feira, novembro 27, 2014

Feira Popular reabre para fechar

100 milhões de euros !!!
A antiga Feira Popular de Lisboa vai reabrir entre 28 de Novembro e 25 de Janeiro, para que a população da Grande Lisboa mate saudades de um divertimento que lhe tiraram. É o quinto ano consecutivo de Feira pelo Natal; a Feira Popular de Lisboa fechou definitivamente em Outubro de 2003, após uma década de polémicas e trapalhadas. O terreno da feira, avaliado em 100 milhões de euros, está ao abandono: é um antro a céu aberto de ratazanas.
Falou-se que haveria um plano de permuta dos terrenos da antiga Feira Popular e do antigo Parque Mayer. Mas nada avançou e o que os dois espaços têm em comum é que são novas ruínas de Lisboa.

O que vai funcionar entre 28 de Novembro de 25 de Janeiro é uma Feira de carrosséis. A Feira Popular que acabou tinha: Comboio-fantasma, Poço da Morte, Palácio dos Espelhos, Rola-Rola, Pim-Pam-Pum, Penalti, Tirinhos, Rifas, Barcos a Motor, Carrinhos de choque, Comes e Bebes: frangos e sardinhas assadas, chouriços, moelas, pipis, couratos, pica-paus, pratos regionais, cervejarias, vinhos brancos e tintos, traçados, jeropigas, moscatéis, licores, aguardentes novas e velhas, café, no famoso Café dos Pretos
Em Novembro de 2004, um presidente da CML prometeu perante a Assembleia Municipal de Lisboa que uma nova Feira Popular ia ser construída, de raiz, no Jardim do Tabaco e deveria abrir as portas em Junho de 2005. Já lá vai uma década desde a promessa e nove anos sobre a prometida inauguração. O presidente foi despedido pelos eleitores. Prometeu o que não podia prometer. 
Texto e Fotos Beco das Barrelas 

quarta-feira, novembro 26, 2014

Lisboa nos Livros V – O Inverno em Lisboa, de António Muñoz Molina

«Da janela do meu quarto via uma praça e o perfil da estátua de um rei a cavalo que enfaticamente apontava para o Sul.»
António Muñoz Molina, 
O Inverno em Lisboa
Quetzal, 1991

Jean-Pierre Castellani, da Universidade de Tours, tem um  estudo sobre a novela de Muñoz Molina, associada ao filme realizado a partir do mesmo texto, um e outro com Lisboa como referência. 

A novela desenrola-se em três cidades, San Sebastian, Madrid e Lisboa e Castellani diz que «todas as cidades» - as da novela e não só - «estão simbolizadas e sintetizadas em Lisboa». É a cidade do destino, a cidade que se procura, a âncora que vai manter-se pela vida fora, tal como o par de Casablanca tinha sempre para si a referência de Paris.
Na novela de Muñoz Molina, Lisboa é uma cidade mítica do restrito circuito que compreende Veneza, Istambul ou Nova Iorque. O Inverno em Lisboa coloca a capital portuguesa no centro de uma geografia de encontros e desencontros, de presenças e de ausências, tanto de pessoas como das próprias cidades.
A trama de O Inverno em Lisboa conta uma história a três, o pianista de jazz Santiago Biralbo, o traficante de arte Bruce Malcom e a mulher deste, Lucrécia. E conta também os encontros e desencontros com cidade que fazem parte do enredo, não são meros cenários. Há um narrador não identificado que fala com Biralbo e comunica com o leitor. E há Lisboa.

«Desde que Biralbo a conhecera, Lucrécia tinha vivo no desassossego e na suspeita de que a sua verdadeira vida estava à espera dela noutra cidade e entre pessoas desconhecidas (…) Durante anos teria dado tudo para viver em Praga, em Nova Iorque, em Berlim, em Viena. Agora o nome era Lisboa».
«Tinha imaginado uma cidade tão enevoada como San Sebastian ou Paris.
E Lisboa vai surpreendendo as personagens da novela de encontros e desencontros, com as suas ruas empinadas, os ascensores e elevadores que sobem e descem da Baixa para a Alta. E com a sua luz e cor, predicados ímpares de Lisboa. 
«Ficou surpreendido com a transparência do ar, a exactidão do cor-de-rosa nas fachadas das casas, a uniforme cor avermelhada dos telhados, a estática luz dourada que perdurava nas colinas da cidade com um esplendor de chuva recente.»
Texto de João e Fotos de Francisco 
Beco das Barrelas

terça-feira, novembro 25, 2014

Lisboa nos Livros IV - Léah e outras Histórias, de José Rodrigues Miguéis

Ponho-me a olhar a Avenida cá de cima, da minha água-furtada e meu refúgio, e digo-lhe seu Apolinário: tudo isto levou uma grande volta... Olho cá de cima esta Avenida, que foi pacata e alheia ao mundo, e quase nem a reconheço…
Saudades para Dona Genciana, in Léah e Outras Histórias, José Rodrigues Miguéis

Em busca da Avenida de Miguéis, houve quem desviasse o local da acção para a Avenida da Liberdade. Mas «novinha em folha, como o regime», a começar «lá em baixo, num boqueirão sinistro», grande artéria por onde corria a Vida, e também a Morte, a caminho do Alto de S. João, a Avenida de Dona Genciana só podia ser a Almirante Reis.

«Que sossego o desses dias agitados». Aquilo «não era a Avenida, era a Rua do Lá-Vai-Um. Todos se conheciam. Conhecia-se a história das famílias, das pequenas do bairro, os seus hábitos e gostos. O mundo era longe», para lá do redondel da praça. Para além da Praça era a poesia. «A brisa trazia lá de cima um cheiro fresco de húmus, de águas e verduras. As meninas pensativas, cheias de Júlio Dinis, escutavam o fado gemendo nas ruas, ou então dedilhavam Chopin ao piano».

Mas o progresso, a civilização também bateram à janela de Dona Genciana. Vieram os eléctricos. O comércio animou-se. Os cinemas invadiram a Avenida com os seus filmes de paixão. E «veio a guerra e a Avenida entristeceu. As luzes do gás foram substituídas pelas chamas turvas do petróleo. Ficava-se à noite em casa, a espetar bandeirinhas de papel em mapas, sonhando com a Vitória».
Até que um dia a Avenida pareceu atingir «os limites naturais do crescimento. Chegada à Praça, ali ficou por muitos anos, enroscada».
Para não se perder de si próprio, nem perder pé na vida, o narrador do conto de José Rodrigues Miguéis voltou a erguer um canto da cortina e ficou a olhar o que, para ele, e para os da velha guarda lá do sítio, foi e há-de ser sempre a casa da Dona Genciana: era aquele rés-do-chão alto, com duas janelas de peitoril, que se via dali, da água-furtada do narrador.

Talvez o terceiro andar da Almirante Reis onde viveu o próprio Miguéis, sobre um cenário de telhados de Lisboa pintados por Carlos Botelho.
Texto e fotos Beco das Barrelas

segunda-feira, novembro 24, 2014

Lisboa nos livros III - Memórias de um Chauffeur de Taxi, de Reinaldo Ferreira, o Repórter X

Um chauffeur de táxi da Lisboa dos anos 20, conhecido como Juca, o Menjou da Estefânia (Menjou dada a parecença do bigodinho com o do actor Adolphe Menjou, americano de Pittsburgh, filho de pai francês), projectou as suas peripécias para o bloco-notas do Senhor XReinaldo Ferreira, o Repórter X, designação de um magazine que o autor publicou. 
E ali ficaram e permanecem nas Memórias, a cidade, a sua geometria, a superfície e o submundo, algumas das suas figuras, reais ou imaginadas pela criatividade fulgurante do Repórter X.
Em Lisboa, há perto de um século, uma boa história poderia ficar ao Repórter, com a bandeirada a um escudo e meio, por 30 escudos em viagens de táxi. A cidade não tinha a extensão que tem hoje. As memórias do taxista cabem entre a Baixa e o Jardim Zoológico, em Palhavã, a Estefânia, Pascoal de Melo, Almirante Reis e a Graça, ou Santa Marta, Gomes Freire e Jardim de Santana, Campo Grande para Norte, Alcântara e Dafundo para Ocidente e daí até Algés ou aos Estoris.

O Repórter X
Em Lisboa, o táxi do Menjou da Estefânia fazia o circuito dos bares e clubes noturnos – Bristol, Olimpia, Montanha, Ritz, Maxim’s, Mayer, Monumental –, ou o périplo dos bancos – Lisboa & Açores, Casa Totta, Ultramarino, Costa & Costa, Credit Lyonnais, Banco Inglês –, a ronda dos hotéis – Hotel de Inglaterra, Americano, Metrópole, Internacional, Galo, o Royal, «de queirosiana memória»  -, a volta dos cafés e restaurantes – Brasileira do Rossio, Cervejaria Alemã, Café Suísso, Leão de Ouro, Martinho da Arcada, Confeitaria Versailles, Tavares (pela entrada principal, na Rua do Mundo, ou pela porta das traseiras, na Rua das Gáveas, com entrada directa para os gabinetes), ou simplesmente as montras da Frutaria da Rua do Carmo ou do Jerónimo Martins.
Algumas personagens apresentadas ao Repórter X pelo Menjou da Estefânia: a dama escamoteada, o cão-camaleão, o meio-homem, a azagaia humana, o legionário bera, a mais célebre jejuadora do mundo, o Lorde gatuno, a Rainha do roubo, o pirata japonês, o carteirista Fresquinho, etc, etc. 
Joel Lima, a maior autoridade em matéria de Repórter X, diz no prefácio da edição das Memórias de um Chauffeur de Táxi editadas pela Colecção Vampiro em 2007, que estas histórias começaram a ser publicadas pelo Repórter X no ABC nº 508, de 10 de Abril de 1930, comportaram 27 partes e seis episódios completos. O sétimo começou a sair no nº 551 do ABC, de 5 de Março de 1931.

Reinaldo Ferreira,filho, 
o poeta
Reinaldo Ferreira, nascido e falecido em Lisboa entre 10.08.1897 e 04.10.1935, jornalista, poeta, dramaturgo, realizador de cinema, ficou conhecido por Repórter X. Deixou uma vasta obra de reportagens ficcionadas. Foi pai de uma filha, Iolanda, e dois filhos, Reinaldo e Oswaldo.
O filho do meio, Reinaldo Edgar de Azevedo e Silva Ferreira, nascido a 20.03.1922, em Barcelona, e falecido a 30.06.1959, em Lourenço Marques, é um grande poeta da língua portuguesa. A obra poética de Reinaldo Ferreira – na qual José Régio encontrou «ressonâncias de Antero e Fernando Pessoa» - foi publicada postumamente. O epitáfio do poeta é um poema de sua autoria:

Mínimo sou,
Mas quando ao Nada empresto
A minha elementar realidade,
O Nada é só o resto.

domingo, novembro 23, 2014

Outono: cores da meia-cor


Uma névoa de Outono o ar raro vela,

Cores de meia-cor pairam no céu.

O que indistintamente se revela,

Árvores, casas, montes, nada é meu...

Fernando Pessoa


Foto Beco das Barrelas 

quinta-feira, novembro 20, 2014

Amália passa por nós no Chiado

Fados e canções de Amália gravados mas nunca editados, interpretados em português, espanhol, francês e inglês, estão a ser reunidos em dois discos. ‘Amália no Chiado’,  editado pela Valentim de Carvalho, é fruto da pesquisa de Frederico Santiago, cantor lírico de São Carlos, colaborador da editora e um apaixonado por fado e por Amália Rodrigues.
"As gravações foram feitas entre 1951 e 1954, na Valentim de Carvalho no Chiado. São trabalhos gravados pelo Hugo Ribeiro, que Amália dizia ser quem melhor captava a sua voz", afirma Frederico Santiago.
Em 1952, Amália viajou para Londres para gravar um disco nos estúdios de Abbey Road. "Sempre se pensou que esses temas teriam sido as primeiras gravações" para a Valentim de Carvalho. Contudo, "sabe-se agora que  Amália gravou muita coisa em 1951, antes da viagem. E a maior parte desses trabalhos nunca foi editada", esclarece Frederico Santiago.
«Amália no Chiado» tem 46 temas, entre os quais sobressai o inédito «Fado Lamentos», com letra e música de Amália.

Desenho de António, no Aeroporto de Lisboa
Referindo-se ao «Fado Lamentos», Frederico Santiago afirmou que foi possível atribuir a autoria graças ao investigador Vítor Pavão dos Santos, «que se lembrava de Amália o referir em conversas» e, por outro lado, este fado «era um dos complementos cinematográficos realizados por Augusto Fraga em 1947, cuja imagem se perdeu, mas o som existe no arquivo do Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, e foi encontrado um prospeto anunciando o filme que se exibia, e como complemento este fado, atribuindo a autoria a Amália Rodrigues». 

Outra raridade é a única gravação de «A minha canção é Saudade», numa melodia de Franklin Godinho. Amália gravou estes mesmos versos, posteriormente, com uma melodia de Frederico de Brito. 

Santiago tinha já sido responsável pela reedição, em 2010, do álbum «Com que Voz», no qual incluiu uma entrevista da fadista, e versões de alguns dos temas, antes da escolha final para o álbum que ganhou vários prémios europeus. 

Santiago destacou nesta edição, a primeira gravação do «Fado Primavera», de David Mourão-Ferreira, no Fado Pedro Rodrigues, que Amália voltou a gravar em 1965, que faz parte do álbum «Segredo», e em 1966, que incluiu no álbum «Fados 67». Está também publicada uma versão ao vivo no Café Luso, em Lisboa, em 1955.

«Nestes CD há muito repertório de Linhares Barbosa, um poeta do fado, com uma escolha cuidada de Amália, que se nota ao ter também integrado nestas mesmas sessões de gravação poemas de Sidónio Muralha, ‘Amantes Separados’, Pedro Homem de Mello, ‘Fria Claridade’ e David Mourão-Ferreira». 

A fadista é acompanhada pelos guitarristas Raul Nery, Jaime Santos e o violista Santos Moreira. 

O coordenador da edição afirmou que «todas as gravações foram recuperadas a partir das bobinas originais e, no seu restauro, não foram usados processos extremos que afetassem a transparência musical, mesmo ouvindo-se algumas imperfeições inerentes aos mais de 60 anos passados desde a data de gravação, provenientes da bobine. Daí ter-se optado por manter um volume geral que não obrigasse a nenhuma compressão e não potenciasse as distorções existentes nas bobinas originais». A remasterização, sob supervisão de Santiago, é de Paulo Jorge Ferreira.



No Castelo ponho o cotovelo…

A convite da Rádio Comercial, 35 cantores cantaram para Carlos do Carmo no momento em que o fadista recebia em Hollywood o Grammy Lifetime Achievement Award. O fado escolhido para a homenagem dos cantores a um cantor foi Lisboa Menina e Moça, música de Paulo de Carvalho, poema de José Carlos Ary dos Santos com Joaquim Pessoa, Fernando Tordo e Paulo de Carvalho, do reportório do homenageado.

No tributo da Comercial a Carlos do Carmo podem ouvir-se, entre outras, as vozes de Cuca Roseta, Boss AC, Paulo de Carvalho, Rita Redshoes, Miguel Ângelo, Tiago Bettencourt, Ana Bacalhau, Camané, Carminho, Rui Reininho, Jorge Palma, Mafalda Arnauth, Paulo Gonzo, Luís Represas, Raquel Tavares, Mariza e Gil do Carmo.

quarta-feira, novembro 19, 2014

Artista urbano português em projecto dos U2

Vhils tem a assinatura em paredes de Lisboa

O artista urbano português Alexandre Farto, mais conhecido como Vhils, foi convidado pelos U2 para realizar um vídeo e a capa de uma colecção de filmes associados ao mais recente álbum da banda irlandesa, ‘Songs of Inocence’, que será editado em Dezembro.
O álbum está associado a um conjunto de filmes realizados por 11 artistas urbanos de todo o mundo, com o título genérico ‘Films of Inocence’.

O vídeo de Vhils para o projeto dos U2 foi gravado em Cacilhas, nas instalações da Lisnave, com a participação de figurantes, lobos e cães. O artista português tinha já realizado vídeos para os Buraka Som Sistema e outras bandas.
Haverá pinturas urbanas de Vhils na R. do Cais de Alcântara, na R. do Terreiro do Trigo, na R. das Merceeiras, à Sé. 

Veja aqui: Arte urbana para levar para casa
e Arte urbana de Lisboa preservada

Leia também entrevista com Alexandre Farto, Vhils, aqui 

terça-feira, novembro 18, 2014

Há 50 anos, no cinema Avis... Um filme de Lisboa



Há 50 anos, no cinema Avis, em Lisboa, estreou o filme Belarmino, de Fernando Lopes.
O filme conta a história de Belarmino Fragoso, pugilista português dos anos 50, campeão de Portugal que chegou a ir a Londres disputar o título europeu de pesos pluma. O filme tem como guião uma entrevista do jornalista Baptista-Bastos ao pugilista Belarmino. 

Realização - Fernando Lopes
Produção - António da Cunha Telles
Diálogos - Fernando Lopes, Baptista-Bastos e Manuel Ruas
Assistente de Realização - Fernando Matos Silva
Diretor de Fotografia - Augusto Cabrita
Imagem - Elso Roque
Montagem - Manuel Ruas
Diretor de Som - Heliodoro Pires
Sonoplastia - Alexandre Gonçalves
Música - Manuel Jorge Veloso, Justiniano Canelhas, Conjunto Hot Club Portugal
Rodagem - 1964/Lisboa
Estreia - 19 de Novembro 1964/Cinema Aviz (Lisboa)
Prémio da Casa da Imprensa/Cinema 1964

Intérpretes - Belarmino Fragoso, Albano Martins, Jean-Pierre Gebler, Bernardo Moreira, Maria Teresa Noronha Bastos, Júlia Buissel, Maria Amélia e Ana Maria Saulo (mulher e filha de Belarmino)

Belarmino é um filme de Lisboa. Em tempos, à porta do cinema Éden, que tal como o cinema Avis já fechou, parava habitualmente o Belarmino Fragoso, na sua fase de engraxador de sapatos. Disse dele Baptista-Bastos, no texto do filme de Fernando Lopes: “Podia ter sido um grande pugilista, dos melhores da Europa, talvez até campeão dos meios leves e agora é quase um punching ball: Belarmino Fragoso”.


segunda-feira, novembro 17, 2014

Lisboa nos livros II - A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz

«Seu avô, aquele gordíssimo e riquíssimo Jacinto a quem chamavam em Lisboa “o D. Galeão”, descendo uma tarde pela Travessa da Trabuqueta, rente a um muro de quintal que uma parreira toldava, escorregou numa casca de laranja e desabou no lajedo».
A Cidade e as Serras, Eça de Queiroz

O romance A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz, desenvolve-se entre o «horror das cidades», as «flores da civilização» – «Uma seca! Uma maçada!» - e «uma outra vida», nas serras do Douro, em Tormes, localidade da ficção de Eça, que corresponde no mapa a Santa Cruz do Douro. Adeus Cidade, «adeuzinho, até nunca mais», despediu-se o protagonista do romance de Eça de Queiroz, «farto de civilização.

Na Trabuqueta só falta hoje o Jacinto Galeão
a rebolar pela pedras. De resto, tudo na mesma
O palacete do 202 dos Campos Elíseos, em Paris, também era da ficção. Mas o correspondente a Tormes, a quinta e a casa senhorial de Tormes, lá estão ainda hoje. 
Mas passando-se entre a Cidade das Luzes, Paris, e as serras do Norte de Portugal, o enredo do romance principia com uma cena caricata em Lisboa, Alcântara. Conta o romancista que estatelado D. Jacinto Galeão no lajedo da Travessa da Trabuqueta se cruza com ele «o senhor infante D. Miguel» que o interpela: 
«Oh Jacinto Galeão, que andas tu aqui, a estas horas, a rebolar pelas pedras?».
Texto e fotos Beco das Barrelas

sábado, novembro 15, 2014

Lisboa nos livros – Afirma Pereira, de Antonio Tabucchi

«Era o dia 25 de Julho de 1938, e Lisboa cintilava no azul de uma brisa atlântica, afirma Pereira».
Afirma Pereira, Antonio Tabucchi

Pereira, testemunha no romance de Tabucchi, movimenta-se entre a sua residência, um segundo andar na Rua da Saudade, junto à Sé, a redação da página cultural do Lisboa, na rua Rodrigo da Fonseca, eventualmente o British Bar, no Cais do Sodré, onde se cruza com Aquilino Ribeiro e Bernardo Marques, também passa por uma festa popular, na Praça da Alegria, mas o local obrigatório de arribação da personagem é a Pastelaria Orquídea, na Av. Alexandre Herculano.
E na Orquídea o prato de todos os dias de Pereira é uma omelete com salsa, isto quando não leva para a redação o pão com tortilha, tal o entendimento da personagem quanto aos conselhos dietéticos do cardiologista.
Afirma Pereira é um romance de Lisboa e de um autor que amava Lisboa, «uma cidade que cintilava sob a sua janela, e um azul, um azul incrível, afirma Pereira, de uma limpidez que quase feria os olhos».
O autor, António Tabucchi (1943 – 2012), nasceu em Vecchiano, província de Pisa, Itália, e está sepultado no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa.
Texto e fotos Beco das Barrelas

quinta-feira, novembro 13, 2014

Bicicletas ganham a volta do Orçamento Participativo

O projeto Lisboa em Bicicleta, que pretende criar uma rede ciclável ligando todas as faculdades da Universidade de Lisboa, foi o mais votado dos 211 a concurso no âmbito do Orçamento Participativo 2014/2015, promovido pela Câmara Municipal. Um outro projecto vencedor tem por objectivo a Mobilidade Ciclável, nas freguesias de Arroios, Areeiro e Alvalade.
Nesta sétima edição do Participativo foram apresentadas 669 propostas, das quais 211 foram transformadas em projetos, submetidos a votação. Votaram 36.032 munícipes na escolha dos 13 projetos vencedores, os quais abrangem 13 freguesias da cidade, e preenchem áreas tão diversas como espaço público, espaço verde, economia, cultura, mercados, tecnologias de informação, mobilidade e educação.

Lisboa em Bicicleta, o projeto mais votado, alcançou 4.588 voto. Com um orçamento de 500 mil euros, pretende «a construção de uma rede de via ciclável, que passe por todas as faculdades e todas as escolas da Universidade de Lisboa». Esta rede ciclável terá início na Cidade Universitária, passando pela zona da Baixa-Chiado, Campus da Ajuda e Monsanto.
Além do projeto Lisboa em Bicicleta, na categoria até 500 mil euros foi também seleccionado o projeto Trilhos de Monsanto, na freguesia da Ajuda.



Com orçamento até 150 mil euros foram vencedores 11 projetos: Requalificação Azinhaga das Carmelitas (Carnide), Intervenção de Arte Urbana na Rua Adriano Correia de Oliveira (Avenidas Novas), Alternância de Materiais na Calçada (Campolide), Pela Arte de S. Cristóvão (Santa Maria Maior), Formação Programação Lisboa -- Desemprego Zero, Implementação de Pomar na Quinta dos Lilazes (Lumiar), Aplicação Mobile -- A nossa Lisboa, Requalificação do Espaço Exterior da Escola Básica Alta de Lisboa (Santa Clara), Mobilidade Suave no Centro da Cidade, Requalificação do Mercado de Alvalade.
Desde 2008 foram apresentadas, em todas as edições do Orçamento Participativo, 4.727 propostas e foram votados 1.458 projetos.
Texto e fotos Beco das Barrelas

quarta-feira, novembro 12, 2014

Pintura de caras



A exposição que comemora os seis anos da Galeria de Arte Urbana de Lisboa recebeu mais de 40 candidaturas: sete foram seleccionadas para execução e exposição nos painéis da Calçada da Glória e Largo da Oliveirinha. E entre as sete pinturas seleccionadas, para além de artistas urbanos consagrados, também havia estreias absolutas de pintura na rua.



É o caso do painel de Iva Silva que aqui reproduzimos e que associa às ruas de Lisboa figuras como Santo António, Afonso Henriques, Luís de Camões, Fernando Pessoa. Mas que também coloca na galeria da rua, em Lisboa, Largo da Oliveirinha, Johnny Depp, no papel de Pirata das Caraíbas, ou Darth Vader, protagonista e antagonista da Guerra nas Estrelas. A autora chamou-lhes Square Faces, com duplo sentido, porque estão na praça pública e porque as desenhou 
em formato quadrado. 
Texto e fotos Beco das Barrelas /D.R. 

terça-feira, novembro 11, 2014

Pobres de Lisboa ficaram mais pobres

Números do Observatório de Luta Contra a Pobreza relativos ao período 1993-2009 mostram que as condições de vida se agravaram e em Lisboa a pobreza aumentou muito significativamente. A taxa de pobreza na região de Lisboa aumentou cerca de 80% em duas décadas. 
O facto poderá ser explicado pela emergência de novas formas de pobreza, particularmente associadas às grandes concentrações urbanas e ao desemprego. O retrocesso das políticas sociais, excluindo muitas pessoas do acesso às políticas sociais e diminuindo os seus montantes e, por outro lado, o aumento do desemprego, que acelerou fortemente a partir de 2010, também têm um papel decisivo no aumento da desigualdade e da pobreza.
 Foto Beco das Barrelas / D.R.

sábado, novembro 08, 2014

Na Adega da Bairrada até há leitão

Não tem letreiro à porta mas é aqui:
Rua Reinaldo Ferreira 14-A
A Adega da Bairrada não tem o nome escrito sobre a porta da rua. Ali é apenas o nº 14-A da Rua Reinaldo Ferreira, ao Pote de Água. Mas quem lá vai, à casa dos irmãos Rocha, sabe bem onde vai e ao que vai: vai comer bem. A casa enche com naturalidade à medida que avança a hora da refeição. 
A pequena porta da entrada não deixa antever o que está à disposição do cliente na Adega da Bairrada: duas salas desafogadas, com ampla cozinha pelo meio, um serviço clássico, despachado, eficiente, atencioso e uma lista de excelente cozinha portuguesa.
A Adega chama-se da Bairrada mas o leitão é apenas um dos pratos da variada lista de assados, nas brasas ou no forno, cozidos e cozinha de tacho. 
Quem se senta à mesa tem logo à disposição pataniscas de bacalhau redondas e pequenas, estaladiças e secas do óleo da fritura, deliciosas, e queijo fresco ou queijo de Niza, fatiado. Depois é escolher, peixe ou carne, e a oferta de escolha é variada. Os clientes que enchem a casa – mesmo sem anúncio à porta – sabem que aquilo que escolherem é de qualidade garantida, com preços amigáveis.

Os bacalhaus, cozidos com grão, assados nas brasas, fritos ou cozinhados no forno, os carapaus assados ou fritinhos de escabeche, os chocos, o polvo, frito ou assado à lagareiro, o entrecosto, as burras, o pernil, o pato assado no forno ou cozinhado com arroz, os arrozes de peixe ou de cabidela, ou simplesmente a acompanhar filetes ou pataniscas, as iscas, com molho espesso e saborosa batata cozida, a feijoada, o cozido à portuguesa, os enchidos servidos com grelos e até o leitão assado dominam a lista de boa comida portuguesa, feita à base de produtos seleccionados com esmero e cozinhados com competência. Os pastéis de nata são caseiros. O cozido à portuguesa é prato do dia às quartas e sábados. A Adega fecha aos domingos. 

Os preços são absolutamente em conta, mais ainda tendo em conta a qualidade e quantidade das travessas postas à mesa. Lista de vinhos com boas ofertas. 
A Rua Reinaldo Ferreira fica em Alvalade, com acesso pela Avenida do Brasil ou pela Rio de Janeiro. Reinaldo Ferreira há dois: o pai, o Repórter X (Lisboa, 1897 - 1935), e o filho (Barcelona, 1922 – Lourenço Marques, 1959), grande poeta da língua portuguesa. A Rua tem o nome do pai, o Repórter X, o jornalista. 
Texto e fotos Beco das Barrelas / D.R. 

Um jardim suspenso ao virar de uma esquina

Há em Lisboa um jardim suspenso e vertical: é um jardim que sobe ou desce pelas fachadas de uma moradia, em Campo de Ourique, na Travessa do Patrocínio. Um jardim projetado por arquitetos para ser como é: vertical.
Ocupa 100 metros quadrados ao longo das empenas da moradia, como velas de um barco em dia sem vento. É um espaço verde de muitos matizes, tecido por cerca de cinco mil plantas de 25 espécies diferentes. É tão belo como surpreendente. Quem não vai à espera, ao virar de uma esquina na travessa, fica surpreendido, primeiro, maravilhado, depois.

O jardim vertical de Lisboa foi projetado pelos arquitetos paisagistas Luís Rebelo de Andrade, Tiago Rebelo de Andrade e Manuel Cachão Tojal. A moradia coberta pelo jardim é tradicional, com uma estrutura para sustentar o jardim. Para quem tivesse dúvidas sobre a viabilidade deste projeto tão original como belo, diga-se que o jardim vertical foi erguido há dois anos. E ali continua: vertical.

Havemos de passar por lá na Primavera, quando todo o jardim estiver a despertar para a vida! 

 Texto e fotos Beco das Barrelas / D.R. 

sexta-feira, novembro 07, 2014

Lisboa em mudanças

Rua Garrett: Adeus Farmácia Durão,
 um século no Chiado
Restauradores: Adeus Loja do Cidadão.
O antigo Éden é agora hotel do cartão
Rua da Glória: chamaram-lhe o Sempre em Festa.
Foi bonita a festa, pá. Adeus Ritz Clube.




Adeus Barateira,
livraria alfarrabista de Lisboa,
agora é barbeiro e bilhar.

Fotos e legendas Beco das Barrelas / D.R. 

quinta-feira, novembro 06, 2014

Prédios de proa na cidade dos oceanos

Almirante Reis
Avenida da Liberdade
(Ribadouro)
Gaveto não é simplesmente um prédio de esquina. O Dicionário de José Pedro Machado define-o como «casa de esquina que forma um ângulo arredondado». 
São prédios de proa avançando pela cidade dos oceanos. 
E aí estão na arquitetura lisboeta grandes exemplos de prédios de gaveto arredondado que não só aproveitam melhor o espaço exterior, a esquina, como fazem render o espaço interior.

Campo de Ourique (Tentadora)
5 de Outubro
São certamente marcas de uma época, a meio do século passado, de uma modificação social, com a ascensão da classe media e de uma localização definida da cidade - Almirante Reis, Avenida da Liberdade e Avenidas Novas, Campo de Ourique. Mas dois gavetos gémeos arredondados, logo dois, no Parque das Nações, passam estes limites e chegam à nova urbe no alvor do século XX. 
A verdade é que o  tempo marca tudo por onde passa. E os gavetos são também uma marca de Lisboa, onde se arredondam as vistas pela paisagem. 
Bairro Azul
Parque das Nações

Texto e fotos Beco das Barrelas / D.R. 





quarta-feira, novembro 05, 2014

Rua da Madalena: Fronteira da Baixa com três Altas

A Igreja vem do século XII
mas foi reconstruída após o terramoto
Quem segue pela Rua da Madalena – antiga Calçada do Caldas -, da nascente na Rua da Alfândega até que desagua no Poço do Borratém, à sua direita não tem nada que saber: para a Sé, para o Castelo ou para a Mouraria é sempre e só a subir. E que São Lourenço. São Cristóvão e São Mamede ajudem na subida.

A primeira transversal é a das Pedras Negras, assim chamada pelas lápides, que constituem monumento nacional, de vestígios romanos só descobertos no século XVIII. E às Pedras Negras está associada a Travessa do Almada, onde verdadeiramente se encontraram as pedras. 




A transversal seguinte é a Rua de São Mamede (ao Caldas), onde terá nascido Fernando de Bulhões que, entre Lisboa e Pádua, acabou canonizado como Santo António.

E de seguida começa o rendilhado de ruelas, becos, travessas e escadinhas sempre a subir da Rua que recebeu nome da Igreja de Santa Maria Madalena, reconstruída após o terramoto, para a Sé, o Castelo, a Mouraria. 


A penúltima transversal é o Beco do Rosendo, por onde, subindo, se alcança a associação Renovar a Mouraria. A última saída é pelo Beco dos Surradores, onde a famosa tasca Zé dos Cornos saiu do quase anonimato e tem agora reclamo bem vistoso na frontaria.
A Rua da Madalena é das artérias de Lisboa que faz fronteira entre a Baixa e três das Altas da cidade das sete colinas.

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Texto e fotos Beco das Barrelas / D.R.